Eu já tinha a vontade de escrever sobre o que ando estudando, mas só depois de ver o post do Fzero falando sobre escolhas, vestibular e carreira eu acabei criando coragem e sentei pra escrever. Na verdade eu só queria comentar sobre o curso e cada um dos semestres, mas pelo jeito eu vou acabar sendo mais prolixo do que deveria, como sempre.
Cada curso tem seus preconceitos e Letras não é diferente. A grande questão é que na cabeça das pessoas Letras está associado a português. Aliás: ensino de português. Pior ainda: ensino de gramática do português. No final das contas o que não existe é uma visão maior do que é Letras. Pense em biologia (ambas áreas tem mais em comum do que eu imaginava antes de estudar isso) ou medicina. Não, não estou igualando elas, só quero dizer que são macro-áreas e não simples "cursos" pra você marcar um X na hora da inscrição pro vestibular. Letras então seria algo mais próximo de "uma área que estuda as línguas de forma ampla, sem limitações". Naturalmente as pessoas confundem letras com literatura, que é o que costumam esperar em definições como essa, mas que não é o caso realmente. É engraçado também porque todo mundo nasce falando sua língua, então como dizer que você estuda isso por 4 anos? As pessoas não percebem sentido nisso, logo acham inútil. Pra usar a analogia de um amigo meu, estudar Letras é como estudar nomenclatura médica, composição óssea e tudo o que se tem dentro do braço até chegar na menor célula possível e saber como tudo isso funciona, enquanto que as pessoas comuns só conseguem enxerguar a pele queimada de sol. Dito isso...
Dá pra dizer que é possível você se formar em letras sem passar por literatura? Hmm, até que dá. Dá pra fugir de gramática e coisas parecidas? Não só dá como é absolutamente desejável ficar longe disso, não se preocupem irmãos! Isso vai de encontro ao que as pessoas pensam sobre quem estuda letras, como dá pra perceber. Eu imagino que um filho virar para os pais na sala e dizer "pops, mams, vou fazer letras" é como confessar que se está apaixonado pelo vizinho motoqueiro de bigode, ou então se imaginar cheio de giz em turmas de alunos da oitava série tentando convencê-los a ler Iracema. A realidade pra quem quer se arriscar nisso é muito melhor do que se imagina, e eu acho que posso salvar algumas almas escrevendo o como e o porquê.
Eu não sei quando decidi prestar vestibular pra Letras, mas eu já havia há muito me decidido não fazer nenhum curso relacionado a computação (e é aqui que entra a influência do post do Fzero). Eu lamento muito, e fico muito triste quando penso nisso, mas eu sou uma lástima em cálculo ou lidar com números. Se a raça humana dependesse de mim em exatas a gente ainda estaria comendo frutas em cima das árvores. É uma decepção pra mim? É. Consegui superar isso? Acho que sim. Trabalho, gosto e estou no meio de computadores desde garoto, acho divertido e sou até certo ponto viciado nisso, mas vejo tudo como ferramenta e não um fim como o Fzero também fala. Em outras palavras: eu entendi que computadores ajudariam tudo o que eu quisesse fazer, não o contrário. Eu finalmente decidi transar mais e debugar ponteiros de menos.
Então passei em Letras em Inglês na UFPR, linguística por favor, depois de tentar 2 vezes (uma sendo barrado por Cotistas Mercenários do Lula). Já no primeiro dia das aulas eu adorei tudo aquilo: a aula trote era com um japa que explicou como era o curso e nos mandou assistir My Fair Lady e trazer um ensaio sobre isso na aula seguinte. Alguém aqui já viu My Fair Lady? Alguém? Até a aula trote eu gostei! Pois no mesmo primeiro dia de aula eu fui apresentado a uma realidade simplesmente fantástica do curso da UFPR, e possivelmente de outros lugares: você não é obrigado a sair professorzinho de lá. Isso, você já começa escolhendo se quer licenciatura ou bacharelado. Caso escolha bacharelado ainda tem a opção de escolher entre estudar literatura ou estudar linguística. Viu? Eu falei que dava pra sair de lá sem tocar em gramática ou ler índios romantizados. O diferencial é que você pode trocar sua modalidade do curso após 1 ano e meio caso não esteja satisfeito.
Ainda existe a possibilidade de você se formar e requisitar uma permanência na UFPR de 1 ano e meio e pegar a licenciatura caso realmente faça questão. Inclusive você pode sair de lá com 2 bacharelados caso ignore mesmo a licenciatura: é possível sair formado com 2 canudos de estudos literários e estudos linguísticos. Massa, mas como traduzir tudo isso pra sua família e amigos? Como explicar pra eles que você não é e nem quer ser um dicionário ambulante, um poliglota tradutor instantâneo ou corretor ortográfico e gramatical, uma espécie de Pasquale particular? É foda, mas dá.
Eu diria que basicamente estudo o inglês (insira sua língua favorita aqui, só me poupe do falatório esquerdista anti-anglicismo), formalmente (pois lá não é cursinho de línguas e o método científico é mais presente do que o senso comum presupõe em um curso de Letras), os aspectos naturais das línguas (como elas se formam e se desenvolvem, esqueça o papo velho de gramática) e o que se pode fazer com elas (tradução, processamento de linguagem com computação, geração automática de fala, linguística forense e fonética). Pronto, é uma tentativa honesta mas ainda não userfriendly suficiente pra dizer que você em breve será um Linguista. Seus amigos e parentes ainda te olharão torto? Sim, por um bom tempo. Acharão que sua escolha foi inútil pra humanidade? Sim, principalmente se entre eles estiverem pessoas de exatas. Mas qual a vantagem então, não poderei zoar ninguém? Aí que entra a graça, você vai manjar terrivelmente mais do que qualquer um que você conhece justamente sobre o que essas pessoas pensam que mais sabem: a língua delas. Vingança, afinal!
Não sei, mas parando pra pensar acho que fiz uma ótima escolha. Eu sempre adorei línguas, desde moleque eu via meu tio aprendendo inglês sozinho, eu era sempre o tira-dúvidas disso na escola e de alguma forma sempre fez sentido pra mim a máxima de que ao aprender novas línguas você invariavelmente descobre ou entende novos cantos da sua cabeça que sua língua materna infelizmente limitava. Ok, é uma forma poética de dizer que falar outras línguas é massa. Quem consegue ver beleza nisso vai entender o que estou falando, é o mesmo tipo de pessoa que vê beleza em um poema em latim que usa as próprias palavras e sua disposição física pra formar imagens. Não, não são as mesmas pessoas que pagam 250 paus pra Cultura Inglesa pra não aprender nada, nem aquelas que botam "Inglês: Avançado" no currículo e acham que estão abafando. Eu também desencorajaria os que procuram Letras porque faziam "boas redações na escola" ou porque "falam certo desde pequeno". Letras não é pra vocês, vocês não sabem o que estão falando e acabam passando por bobalhões.
Veremos onde isso dará, no final o importante é fazer o que se gosta. De alguma forma os competentes nunca falham. Claro, sejamos francos, ninguém fica rico sendo linguista. Ah, mas dá e tal, é possível e blablabla. Corta o papo zé ruela, não dá. Mas a possibilidade de realização pessoal é altíssima em contrapartida. Não creio que exista somente "três maneiras de ganhar a vida na sociedade atual" e que dinheiro tenha que estar diretamente ligado a escolha de carreira ou satisfação e reconhecimento, isso é papo de perdedor, mas é certo que se for cursar Letras com a espessura da sua carteira em mente você provavelmente não dormirá bem durante a noite. Os ganhos não são materiais.
Discurso feito, discurso jogado fora. Falo sobre o que queria, o que estudo no curso, depois.