entrevista do visto americano

18 de janeiro de 2008

Tendo noção que uma viagem como essa não é qualquer atividade que se faz, resolvi "bostar" como foi a entrevista pra conseguirmos o visto de estudante pra entrar nos EUA amanhã. Procurei por isso na Internet por várias vezes e nunca achei uma descrição verdadeiramente boa sobre isso. Espero não virar um daqueles caras que trata viagens assim como se trata viagem de trem até a Zona Leste, como algo rotineiro. Não é rotineiro, é um privilégio gastar tanto dinheiro em algo parecido. É importante ficar longe da arrogância que é achar uma viagem de 7,5 mil kilômetros em linha reta algo ignorável. Acho que isso ajudará outros na mesma situação, sem ajuda de ninguém, não sendo viagem de negócios.

Dia 19 de novembro. Chegamos às 9:15 da manhã, aproximadamente. Ficamos na fila geral ao lado da grade na entrada do consulado. Essa fila é mais para organizar e controlar a quantidade de pessoas do que pra entrar realmente. Haviam lá por volta de 800 pessoas, sendo que em um dia normal tem o dobro e em terças e quintas chega até 2 mil pessoas (pelo menos é o que alguns cambistas falaram diversas vezes pra gente: "hoje tá ótimo!"). A cada 30 minutos alguém de dentro vinha passando pela grande perguntando os horários de agendamento e em seguida pediam pro "pessoal das 11:30", por exemplo, "segunda fila". Nisso uma fila somente dos que tem esse horário no agendamento se formava na guia da calçada. E assim foi até chegar os agendamentos do 12:00 e horários seguintes; todo mundo entrou junto, misturado mesmo.

Conversando com meu pai, que ficou do lado de fora esperando a gente sair, ele disse depois que a cada 5 minutos alguém da rua tentava assediar quem tava na fila pra pagar 200 reais e entrar mais rápido. Ele falou que toda hora, enquanto a gente estava lá atrás na fila geral, alguém era acompanhado por esses caras da rua com celular na orelha e falando "agendamento especial" e a pessoal entrava direto. Nada como corrupção brasileira em um consulado estrangeiro. E sem necessidade real, na minha opinião. Acabamos entrando no prédio no horário do agendamento mesmo.

Enquanto estávamos na fila dentro do consulado (que agora tem uma proteção contra chuva ou sol forte) a Danielle fez uma oferenda aos deuses do mercado financeiro e deixou o guarda-chuva dela num canto qualquer, pois tava cansada de ficar segurando ele, e por paranóia total minha, devo confessar, poderia causar algum problema sei lá como. Não pergunte!

Na fila dentro do consulado, mas ainda na entrada da frente, checaram o básico das nossas documentações pra separar o pessoal em filas por tipo de visto requisitado. Assim, entramos na parte principal do consulado (uma mansão gigantesca lotada de árvores de tudo quanto é tipo, bem tropical e bastante bonito, do tamanho de vários quarteirões), passando por uma sala onde nossas coisas eram inspecionadas por raio-x e através de um detector de metais. Tudo normal, enfim.

Agora sim estávamos dentro do consulado, e foi só seguir pra fila de chegada, antes de todas as outras filas "internas", pra ir pro atendimento. Sim, e dizem que brasileiro gosta de fila. Os caras tem fila pra tudo, tudo mesmo. Duas filas do lado de fora, uma dentro dos portões, uma pra renovações, outra pra ser revistado, outra pra entrar no atendimento, outra pra tirar digitais, outra pra pagar taxas, uma pra pré-entrevista, uma pra entrevista, uma pra pagar a taxa de emissão, outra pros correios e, ufa, fim.

O atendimento no andar térreo (do lado de fora de qualquer prédio da mansão) é lotado. São umas 10 fileiras de 2 ou 3 bancos com encosta feitos de madeira, como aqueles de escola. Bastante gente, acho. Deram uma nova conferida nos nossos documentos e pediram pra esperar até darem uma senha pra gente. Dessa fila, eu e Danielle fomos os únicos que receberam um "ok, tá tudo certo" dos funcionários que checavam os documentos. Ficamos bem mais calmos após isso.

De aí em diante a Danielle praticamente nem olhava pra mim mais. Na tentativa de ficar mais calma, acabamos parecendo dois estranhos. Os guichês para registro de digitais chamavam por grupos, de 6 pessoas mais ou menos. Fomos em grupos separados. Esses 2 guichês eram atendidos por 2 americanas, e com uma delas, a japonesa, uma gorda vestida de perua brasileira com roupa de grávida, com inglês impecável pelo menos, começou a implicar. "Não sei o quê, blabla, você é muito estúpida!".

Acho que ela confundiu o estúpida em português com stupid em inglês e a situação piorou, virou gritaria porque a atendente disse que a gorda tava com os dedos molhados e a máquina não lia direito as digitais dela. A atendente falou finalmente "qual é o seu problema afinal?" E a gorda sem noção "Meu problema é você!" e exigiu a presença de outra pessoa pra atender ela. Vai entender... o pior é que ela conseguiu o visto passando na frente dos outros depois disso.

Depois de registrarem nossas digitais ficamos esperando um bom tempo, sentados nos tais bancos de madeira. Pra cada fileira de banco havia uma câmera de vídeo, se não me engano. Ficamos lá. E ficamos, esperando, esperando. Ficamos mais. Então a Danielle foi chamada primeiro pro guichê de entrevisa 13, com uma americana jovem gordinha, pele bem clara, cabelos loiros meio-encaracolados e curtos, meio cara de universitária recém formada, pela idade aparente. Eu tive tempo de ver a atendente deixando o passaporte dela de lado e pegando outros papéis. Bom sinal! E aí chegou a minha vez, quase logo em seguida, no guichê 15, com uma mulher simpática ao mínimo (como com qualquer desconhecido, não grosseira como eles tem fama de ser), cabelos longos, magra e de vestido.

Vou tentar transcrever os diálogos entre eu e a minha atendente e da Danielle com a dela:

Cônsul: Boa tarde.
Danielle: Boa tarde.
Cônsul: Para onde você vai?
Danielle: New York.
Cônsul: Seu visto é de estudante. O que você vai estudar?
Danielle: Vou fazer um curso de inglês na Embassy CES por 30 dias.
Cônsul: Mas por que você precisa aprender inglês?
Danielle: Porque isso vai facilitar o meu trabalho e preciso muito de inglês na faculdade.
Cônsul: Em que você trabalha?
Danielle: Sou auxiliar administrativo. Trabalho na mesma empresa há dois anos.
Cônsul: O que você estuda?
Danielle: Economia, na Universidade Federal do Paraná.
Cônsul: Quando você vai se formar?
Danielle: Em 2011.
Cônsul: Quem vai pagar sua viagem?
Danielle: Fulano.
Cônsul: Ele ganha bem?
Danielle: [se preparando para pegar os documentos de Fulano]
Danielle: Sim, ganha.
Cônsul: Onde ele trabalha?
Danielle: Na Foobar Corp.
Cônsul: Ok, seu visto foi concedido. Pague a taxa no caixa e volte aqui depois.
Danielle: Obrigada.

Apesar da cônsul não ter a antipatia que as pessoas normalmente relatam, ela não olhou pra Danielle em momento algum durante a entrevista, somente quando ela chegou no guichê. Outro detalhe: no exato momento em que ela perguntou "o que você vai estudar?" ela já deixou o passaporte da Danielle de lado e começou a preencher o papel que ela deveria levar para pagar a taxa. Acreditamos que, depois desse momento, ela só teria negado o visto se a Danielle tivesse falado uma coisa muito absurda ou suspeita.

Cônsul: Bom dia.
Caio: Bom dia.
Cônsul: Pra onde você está indo?
Caio: New York, Manhattan.
Cônsul: E o que você vai fazer lá?
Caio: Um curso de inglês por 30 dias, na Embassy CES.
Cônsul: E por que você quer fazer esse curso?
Caio: Eu faço faculdade de inglês, uso bastante no trabalho e preciso melhorar ele.
Cônsul: Quem vai pagar a sua viagem?
Caio: Eu mesmo.
Cônsul: Você trabalha com quê?
Caio: Sou analista de sistemas na Foobar Inc.
Caio: Tenho uma carta da empresa me liberando para fazer esse curso.
Cônsul: E você vai voltar a trabalhar depois do curso? Vai voltar pra essa empresa?
Caio: Sim! A empresa me dispensou por 30 dias, eles incentivam cursos como esse.
Cônsul: Você tem uma empresa da viagem?
Caio: O quê?
Cônsul: Qual a empresa da sua viagem?
Caio: Central do Intercâmbio, CI.
Cônsul: [cara de estranhamento]
Caio: [pausa pra pegar a pasta da agência e mostrar pra ela]
Cônsul: Ah! Ok, seu visto foi concedido. Vá até ali, pague a taxa de emissão e volte aqui depois.
Caio: Obrigado!

Não pegaram nenhum documento nosso, absolutamente nada. Levamos, cada um, uma pasta com todos os documentos que poderiam pedir, tudo perfeito. Deu um baita trabalho preparar e arrumar tudo (paranóia normal), mas nem pediram nada no final das contas. Se pedissem pelo menos teríamos o gosto de entregar tudo correto.

Depois ficamos na fila de pagamentos e descobrimos não ter dinheiro suficiente pra uma taxa qualquer que não lembramos. Não era de envio nem a taxa consular, era pra liberação do visto mesmo. Sabíamos que tinha caixa do Citibank lá dentro, mas não fazíamos idéia que o caixa eletrônico era maluco. Primeiro problemas com limite de saque baixo nele, depois erro com cartão. Ao menos ele é da rede 24h, então meu cartão do Banco do Brasil não teve problemas pra sacar depois de umas 5 tentativas... cof cof...

Pagamos a taxa e voltamos pros guichês pegar um ticket pro envio do visto. O meu saiu bem rápido, a atendente do consulado até me botou no começo da fila, furando-a. Danielle teve que esperar um bocado, já que o cara que estava sendo atendido na frente dela não teve muita sorte na entrevista. Acharam estranho ele estar na faculdade com 28 anos ou coisa parecida. Ele tinha documentos da USP. E eu tenho 25 e não ligaram... estranho. O fato é que era negro e estranharam muito ele, a
ponto de abrirem o site da USP pra conferir a matrícula do cara antes de liberar o visto finalmente.

Depois disso seria a fila do correio pra preencher pacotes e pagar o envio do visto em até 7 dias. Nenhum problema, fila rápida, pagamento fácil. Ruim mesmo só foi a embalagem do pacote, feita de plástico molenga. Daqueles que tinta de caneta não rabisca e se fizer força você deforma o pacote. Uma beleza. É uma boa idéia levar etiquetas se você é meio ogro pra escrever como eu...

Dá tempo de alguns comentários aleatórios, curtos e grossos?

A maioria esmagadora dos funcionários do consulado são brasileiros. Ninguém da segurança é nativo, são todos de uma empresa de segurança chamada Graber, eu acho. Você pode passear livremente pelo consulado, antes ou depois da entrevista, não existem barreiras ou alguém te vigiando andar, aparentemente. Tinha gente nas filas ainda preenchendo formulários obrigatórios. Com caneta e rasuras! Havia muitos jecas, que caíram de pará-quedas ali, sem fazer idéia de onde estavam. Aí depois dão uma de retirante em outro país e reclama de ser tratado como cachorro.

Tinha gente que ia até a cantina do consulado e ficava comendo normalmente nos bancos de espera (inacreditável na minha opinião, não consigo pensar naquilo como uma rede de fast food). Choveu tanto durante todo o processo que mal dava pra ouvir as outras pessoas ou o cônsul falando do outro lado do vidro. Chuva pesada mesmo. Leve um dinheiro extra, não confie no caixa 24h do CitiBank. Ele é totalmente evil.

Enfim, tudo certo, maravilha. Vistos concedidos, embarcamos em menos de 6 horas :-)

PS: apesar de não ser diretamente relacionado ao visto americano, é precisamente sobre vistos... fiz um mapa que mostra todos os países do mundo para os quais brasileiros não precisam de visto pra visitar, clique aqui e dá uma olhada!

UPDATE 1: ...e o resultado de tudo isso foi um excelente intercâmbio meu e da Danielle, escandalosamente documentado em uma série de posts que fiz quando voltamos, falando de tudo.

UPDATE 2: ...e hoje (13/01/2011) fui novamente no consulado americano pra pegar outro visto, dessa vez o visto B1 de negócios já que vou ficar um tempo em NYC (de novo!) à trabalho, ouvi dizer que estão dando tempos longos pra negócios assim como pra turistas (10 anos), mas eu duvido muito, melhor esperar chegar. Qualquer coisa só de sacanagem peço um de turista depois só pra ter tirado todos os vistos, fuck yeah :-)

Mudou algumas coisas por lá, mas a espera continua longa igual, quase 3 horas pra uma entrevista de 5 minutos. Tiraram os guichês dos correios de dentro e botaram do lado de fora, junto com a fila inicial, muito melhor, até pra quem esquece de levar dinheiro! Dessa vez me surpreendi com o bom humor do cônsul: deu bom dia, fez cara de "imagina!" quando dispensou meu comprovante de renda, fez as perguntas básicas de lugar, tempo, motivo e profissão, confirmou que já estive lá antes, falou um "that's all!" com sorriso e desejou boa viagem. Impressionante.

Está mesmo cada vez mais fácil ir pra lá, virou baciada, só não vai quem não quer, especialmente por ser mais barato ir pra lá do que pro nordeste de férias... economia a todo vapor, Brasil com moral externa, eles precisando desesperadamente de dinheiro... facilita, por isso a fila pra turistas não fica abaixo de 3 meses de espera imagino. Nas 3 horas que fiquei lá dentro não vi ninguém ser negado, bem diferente da primeira vez.

© caio1982