esquerdismo de cabresto

11 de junho de 2009

Ontem eu brinquei de discutir com o Felipe via IRC, como sempre fazemos. Pra variar o assunto era esquerdismo e como ele é sempre pró-minorias, não importa se elas estão erradas. Se é minoria tá sempre com a razão. Isso me lembrou da minha frequente irritação quando penso "esquerdismo" e tenho que falar "esquerdismo" pra alguém. Eu digo um coisa querendo dizer outra, pra mim são conceitos diferentes. Enfim, isso tudo é pra dizer que não existe esquerdismo no Brasil. Fato óbvio, não existe. Não existe, há pelo menos 25 anos.

Tudo começa quando se ainda é criança, bem menino e bem menina. É difícil achar alguém que tenha estudado em escolas públicas e que não tenha escutado algum professor reclamar da vida, dizer algo sobre sindicatos e como professores são explorados e tudo o mais. Eu lembro disso. Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau Professor Laudelino Fernandes dos Santos. Professora Shirlei. História. Toda semana eu lembrava de ela falando algo sobre a CUT e o PT, lembro dela ter dado aula com camiseta do PT uma vez. Num dado momento eu passei a estranhar isso (agradecendo o fato de meu cérebro ter funcionado bem pra crítica desde cedo) quando vi que ela não dava aula, ela só reclamava. Ela não se esforçava pra ser uma boa professora, uma boa mestre, ela queria ser uma boa assalariada e uma boa coitada. Talvez o fato de eu ser muito bem instruído em história hoje se deva ao fato que tive que estudar por conta própria, já que se dependesse dos meus professores, como ela, eu seria uma porta.

Isso pra mim mostra claramente, pensando na massa enorme de alunos de uma escola estadual, que professores engajados politicamente, desde cedo, conseguem criar padrões mentais de pensamentos nos alunos. Não estou dizendo que é manipulação, estou dizendo que por passar o ponto de vista ideológico deles, desde muito cedo pra crianças, acaba-se matando o cérebro de alguns alunos por inanição. Falta de nutrientes críticos. Pode reclamar disso, mas pense numa realidade alternativa onde a professora não usa camiseta do PT na sala e sim uma camiseta "white power" ou "homossexualismo é doença" ou "deus é fiel" e entenderão o absurdo dessa lavagem cerebral e por fim entenderão como esquerdismo pode ser um círculo vicioso.

Quando entrei na escola técnica, em SP mesmo (do Centro Paula Souza, unidade Adolpho Berezin), eu estava meio que em cima do muro ainda. Eu, junto com o Frederico (FSV, futuro juiz federal e quem sabe presidente da república) e o Rudimar (eterno Demônio d'O Auto da Barca do Inferno), costumávamos ler os jornais que a escola ganhava, todo dia, nos intervalos. Gostávamos de política, às vezes até brigávamos. Rudimar era mais esquerdista, idealista. Fred era mais pragmático, e chegava a ser meio tucano naquela época. Eu não sei o que eu era, eu só sabia que tinha algo de podre no reino da Dinamarca. Éramos radicaizinhos, anti-sistema, eu andando com camisetas sujas e ouvindo Bad Religion e Dead Kennedys.

Naquela época resolvemos criar o Grêmio Estudantil da escola técnica, não havia um até então. Criamos o grêmio e foi importante na época, os alunos pareciam participar, ainda que pra gente aquilo tudo fosse só uma brincadeira do tipo "vamos ver onde vai dar" e "assim poderemos bater em quem manda". Lembro que colávamos cartazes anti-diretoria, que obrigava uniforme na escola, e chegamos até a procurar o Ministério Público pra denunciar a diretora uma vez. Isso foi na época em que eu aprendi o que significava o termo "massa de manobra". Foi quando surgiu um boato que o governador, Mário Covas, queria acabar com as escolas técnicas. O nosso Grêmio Estudantil havia acabado de se filiar a UNE e fomos pra uma passeta subindo a Brigadeiro Luis Antônio até a Avenida Paulista. A idéia era acuar o governador e fazê-lo desistir da idéia. Chegando lá percebi que éramos só um grupo sem cérebro gritando motes esquerdistas como "fora já, fora já daqui, o FHC e o FMI" enquanto uns levantavam bandeiras da CUT, PT, MST, PSTU e outros grupos sem noção. Éramos peões num jogo de xadrez maior. Bom, no fim das contas estávamos sendo esquerdistas mesmo: burros, que não pensam, só seguem.

Uma pequena pausa dos nossos patrocinadores: a imagem abaixo foi tirada na greve e nas rebeliões que englobam o dia do Massacre na Praça da Paz Celestial, em 1989 na China. Eu achei engraçadíssimo um manifestante jovem, na China comunista e fechada, censora, fundamentalmente esquerdista, vestindo uma camiseta Paz e Amor e tênis da Nike. Um tênis da Nike, que esquerdista fajuto diriam alguns. Esse chinês traiu o movimento, véi!

Comunista de Nike

Eu jamais poderei julgar o cara da foto, ele estava numa realidade sociopolítica bastante anormal em relação a nossa, tempos passados. Só me é curioso o fato disso lembrar aqueles ditos esquerdistas que tem conforto em casa, andam de carro poluindo tudo por aí, tem camiseta do Che etc e tal e que não vivem o que pregam. É a versão politizada do punk de boutique, o esquerdista de fachada.

Bom... foi por aí, então, que começou o foda-se. Ler 1984, Revolução dos Bichos, Admirável Mundo Novo etc foi iluminador nessa época. Nosso Grêmio Estudantil não se chamava Monstequieu à toa. Do Espírito das Leis está aqui na minha estante. Foi nesse instante que eu comecei ligar diretamente o fator educação como sendo determinante no que uma pessoa se transformará: esquerdista ou não. E rotulo somente esquerdistas por um motivo quase biológico que explico mais pra frente. O importante é lembrar disso: pessoas com instrução e educação dificilmente se tornam esquerdistas no sentido que estou deixando implícito até aqui. Não é se formar, ter mestrado etc, é ter cultura, senso de mundo e realidade. Educação abrangente, não programação educacional baseada num maniqueísmo estúpido, o-bem-vence-o-mal. Porque se estudar numa boa escola fosse só um quesito superficial, qualquer playboy teria que ser obrigatoriamente uma pessoa inteligente. Infelizmente não é o que se percebe, mesmo porque playboys costumam ser a maioria em grupetes esquerdistas que tentam salvar o mundo do dinheiro sujo dos papais e mamães deles.

Eis, veja só, que isso me lembra os meus pais, meus pais que já fizeram greves de bancários e diz a lenda já foram filiados ao Partido Comunista. Isso me lembra mais especificamente o meu pai, que sempre detestou a influência do dinheiro em tudo. Tenho certeza que, se pudesse, meu pai queimaria todo o dinheiro do planeta. Não porque ele acha ruim uma nota de 20, mas porque ele é naturalmente cansado dos efeitos negativos do dinheiro: brigas entre irmãos, discussões em noite de natal por causa de cartão de crédito, salário que não banca um parque de diversões pros filhos e coisas assim. Tenho orgulho do meu pai ter me ensinado o que ensinou, mas não porque eu concordo com ele, sim porque ele me mostrou o outro lado da moeda. Meus pais me deram ferramentas críticas, e que bom que cada um deles acreditava numa coisa totalmente oposta a que o outro acreditava. Quando eu e a Dani comentamos dos nossos planos de ir pros EUA nas férias, fazer um curso, eu lembro da cara de "putz" do meu pai. Ele nunca gostou de americanos, o esteriótipo do filme Independence Day mesmo. Novamente, foi bom ver alguém radical quanto a isso dentro da minha casa. Me mostrou como isso é idiota e infantil.

Hoje, estudando na Reitoria da UFPR, antro de ditos esquerdistas, eu só tenho mais raiva dessa corrente que tenta anular o pensamento crítico verdadeiro. Os que confundem crítica com perseguição, os censores. Os que enrolam baseados no elevador e batucam maracatu pra qualquer coisa enquanto verdadeiros alunos fazem provas no décimo andar do prédio. Entendeu o problema? Eles dizem que estão lutando por um mundo melhor, com camiseta do Che, enquanto outros tentam estudar. Estudar. Se você estuda você é reaça agora. No curso de Economia da Dani sempre fazem a piada mor de que todo calouro entra esquerdista e sai de direita, o motivo ainda estou pra descobrir mas suspeito que tenha a ver com... educação crítica e instrução. Sim! Estou dizendo, sim, que esquerdistas são burros. São cobras cegas, vendados pro que lhes é diferente, oposto. Se você não está conosco então está contra nós. E ainda se vê gente em Economia desfilando com uma livraço do Mankiw debaixo do braço dizendo ser marxista, em pleno terceiro ano, em 2009. Isso meio que deixa um cheiro de naftalina, máquina do tempo.

Dica: tocar maracatu, fumar maconha nos corredores da faculdade, não assistir aula e só colar cartazes da Vila Campesina nas paredes não resolve problemas do mundo. Se educar de verdade sim. Ou então viver o que prega, é simples. Quero ver dormir no chão de terra gelada junto com camponeses, quero ver levar sopapo da polícia, desafio-os a fazer sopão pra sem teto na madrugada, quero ver pedirem demissão e chamar o ex-chefe de senhor do engenho, rasgando o holerite na frente dele.

É tudo muito bonito, as razões que levam alguém a se dizer esquerdista. Mas brigar com alguém por dizer Linux ao invés de GNU/Linux enquanto se usa camiseta "sou contra rótulos" e somente se preocupar com minorias descuidadas e sem rumo não é ser esquerdista. Muitos amigos meus gostam desse jeito retrô de pensar, de não ver o outro lado da moeda, afinal se fomos explorados por tanto tempo agora é a nossa vez de explorar. E isso, enfim, me levou a questionar: eles são esquerdistas mesmo? Duvido. Desde a tal época do Grêmio Estudantil eu me via muito mais como esquerdista do que aqueles que diziam o ser. Aqui, finalmente, entra o Political Compass.

Eu guardei até hoje o meu resultado do teste do Political Compass que eu fiz no começo de 2004. Cinco anos se passaram e tentei refazer o teste e de quebra fiz alguns outros "parecidos" pra ter alguma contra prova. O resultado? Seguem todos agrupados:

Meu resultado do Political Compass e outros testes

Eu fiz o teste do Political Compass novamente, ontem à noite, e resolvi fazer o do Political Matrix também, por serem bastante parecidos. Fiz o World's Smallest Political Quiz do Advocates for Self-Government e o Moral Politics Test por fim. O teste do Political Compass é de longe o mais completo, é antigo e é atualizado com novos dados frequentemente, os outros só recomendo por curiosidade, já o do Political Compass eu sugiro que corra pra fazer porque é decente e abrangente. No gráfico, o Political Compass está em azul, em roxo é o Political Matrix, em verde o World’s Smallest Political Quiz e em amarelo é o Moral Politics Test.

O que eu queria provar pra mim mesmo era que eu sou muito mais "esquerdista" (agora com aspas pra diferenciar do rótulo que falei até aqui) do que muitas pessoas que eu conheço. Eu adoraria, sério, ver os gráficos de muitos amigos meus que se encaixam no rótulo que tanto adoram. Segundo o gráfico que gerei acima, a partir de todos os resultados, eu de fato sou esquerdista, mas por que diabos sou diferente dessas pessoas? Sei que tá ficando chato, mas... é educação. Isso explicaria o fato de alguns esquerdistas caírem nesse gráfico mais pra parte do autoritarismo, ou mais pra direita até, por respostas de cunho moral no teste. Eu mesmo conheço vários esquerdistas super conservadores moralmente falando, fascistóides que brincam de revolução num mundo onde isso não cabe mais.

Cheguei finalmente a conclusão, que pode parecer até bastante óbvia eu admito, que ser esquerdista ou não, nada tem a ver com dinheiro, nada tem a ver com gostar de minorias. No Brasil esquerdismo não está ligado a fatores econômicos, absolutamente. Tem a ver como você vê o mundo a sua volta. Ver tudo em preto-e-branco é fácil, qualquer criança que vê bandido e mocinho na TV aos 7 anos sabe disso. Difícil mesmo é ver o outro lado da moeda, é se olhar no espelho e se questionar a todo momento se você está realmente certo. Já até mesmo cogitei a possibilidade de existirem cérebros politicamente diferentes, assimo como existem os artistas e os engenheiros, os avoados e os nerds, os de esquerda e os não de esquerda. Mas sinceramente eu não sei se isso pode ser fundamentado de verdade...

Eu não sou anti-esquerdismo porque dou a bunda pra megaempresários do aço ou multinacionais, porque sou classe média e gosto de dinheiro pra realizar meus sonhos. Eu não ligo pra isso, eu não ligo pra quem você vota, eu não ligo em que você acredita, eu não ligo se você se veste de vermelho ou de azul, não dou a mínima se você divide o pão ou se come tudo sozinho.

Eu sou anti-esquerdismo atualmente porque detesto gente burra, só isso.

UPDATE: e não é que deixei passar um excelente parágrafo recente do Saramago sobre isso?

"Outras vezes me perguntei por onde andava a esquerda, e hoje tenho a resposta: por aí algures, humilhada, a contar os míseros votos recolhidos e à procura de explicações por os ver tão poucos. O que chegou a ser, no passado, uma das maiores esperanças da humanidade, capaz de mobilizar vontades pelo simples apelo ao que de melhor caracterizava a espécie humana, e que veio criando, com a passagem do tempo, as mudanças sociais e os erros próprios, as suas próprias perversões internas, cada dia mais longe das promessas primeiras, assemelhando-se mais e mais aos adversários e aos inimigos, como se essa fosse a única maneira de se fazer aceitar, acabou por cair em meras simulações, nas quais conceitos doutras épocas chegaram a ser utilizados para justificar actos que esses mesmos conceitos haviam combatido. [...] Não é possível votar na esquerda se a esquerda deixou de existir"

© caio1982