Eu não costumo fazer listas de coisas e ficar sugerindo para os outros como se fosse guia espiritual, mas esse ano o meu ritmo de leitura foi tão bom que eu havia começado a escrever umas linhas sobre cada uma. Como não tenho mais nada pra ler até a virada do ano, peguei o que li esse ano e botei abaixo com o motivo pra eu ter lido cada uma das coisas e uma singelinha recomendação. Eu tinha quase desistido dessa idéia, mas aí o Felipe falou que tava pra fazer a mesma coisa e mudei de idéia.
Na minha página do Library Thing - bendito e excelente serviço online (um dos poucos com utilidade bem alta hoje em dia) - tem tudo o que eu já li, mas resolvi listar só os desse ano porque fiz muitas matérias pouco técnicas na UFPR, li muita coisa variada nos períodos de férias dela e tirei minhas melhores médias de literatura; feito impressionante porque são as disciplinas mais chatas.
Tudo isso seria irrelevante se eu não tivesse gostado da maioria dos livros, por isso eu fiz isso aqui:
Alice's Adventures in Wonderland (Lewis Carroll): um clássico,
li de forma espaçada nas idas ao banheiro após almoços (um capítulo
curto por dia). A leitura às vezes travava, eu não esperava tantos
trocadilhos e jogos linguísticos e por ser tudo em inglês deu um certo
trabalho mas foi agradável como preparação pra adaptação cinematográfica
do Tim Burton que sai logo mais. Recomendo (o original em inglês) por
ser um clássico infantil que muitos não conhecem de ler mas só de ouvir
falarem.
Amadeus (Peter Shaffer): surpresa e surpresa, é isso que
Amadeus foi pra mim. Eu já sabia que existia o filme mas não conhecia a
história, e ela é simplesmente incrível. A trama é acompanhar a vida do
Mozart enquanto um outro músico da época é o narrador frustrado, com
pitadas de humor bizarro e muita música. Eu primeiro li o roteiro da
peça e depois vi o filme e diria que virou um dos top dez de filmes de
temática musical pra mim. A história do livro é um pouco diferente do
filme, no livro o protagonista não é o Amadeus e sim o Salieri e no
filme não é nenhum dos dois; chegamos no acordo, durante uma aula na
UFPR, que o protagonista do filme é a música do Mozart em si e o autor
parece concordar com isso. Recomendadíssimo se você topar inclusive
assistir o filme.
Ensaio Sobre a Cegueira (José Saramago): virou clássico e era
sempre recomendado por amigos como um bom livro de um baita escritor. Eu
e a Danielle devoramos ele, adoramos e acredito que a história de uma
epidemia de cegueira branca seja conhecida suficiente pra economizar
descrições. Eu achei o final simplesmente bom: elegante, tranquilo e sem
enrolações complicadas. O filme entrega diversos spoilers mas se serve
como incentivo pra ler o livro a escrita do Saramago é estranha, muito,
mas flui num ritmo impressionante; na página 10 você já se acostumou e
não para de ler. Recomendo pela experiência de leitura.
The Bottle Imp (Robert Louis Stevenson): leitura quase boba pra
uma apresentação em inglês na UFPR, The Bottle Imp é sobre uma fábula,
ou lenda, ou conto sobre pactos com o demônio no Havaí e Taiti. A
história, parte das Island Nights' Entertainments, é bem legal na
verdade... tem conceitos morais interessantes e é linguisticamente bem
rica, com vocabulário da polinésia francesa e havaiano. Recomendo pelo
tema e pelo contexto da história que não são muito comuns de ser ler
mais.
The Children of Húrin (J. R. R. Tolkien): vai ser de longe a
minha recomendação de leitura mais enviesada, com certeza. O livro
detalha lindamente a sina dos filhos de Húrin, fala sobre humanos
amaldiçoados nos livros do Tolkien. A história é uma das melhores do
Tolkien e não sei se a tradução é boa no lançamento nacional mas é sem
dúvida um dos melhores livros de fantasia e ficção que já li. É desgraça
atrás de desgraça, você fica até depressivo de tantas coisas ruins que
acontecem com os filhos do Húrin. Não tem como comentar a história sem
dar spoilers. Recomendo pela história foda, ilustrações bonitas,
linguagem alto nível e por ser fantasia de qualidade.
Death of a Salesman (Arthur Miller): foi a minha leitura
inicial no mundo do cara que criou As Bruxas de Salem. Death of a
Salesman me emocionou bastante, pela primeira vez alguém misturou fluxo
de consciência com múltiplos tempos de narração no teatro. O personagem
principal Willy Loman é um pai "fracassado" com filhos perdedores e que
mostra o que o Miller acha do tal sonho americano: nunca existiu e se
existiu é algo apodrecido. O filme feito pra televisão com o Dustin
Hoffman faz qualquer um que teve pai lacrimejar um pouco. Recomendo
pelo contexto histórico e cultural dos EUA.
Dois Irmãos (Milton Hatoum): foi uma recomendação de amigos da
faculdade e do meu fiel revisor e sempre prestativo amigo literário.
Depois de ler Dois Irmãos eu fui até num evento das Livrarias Curitiba
onde o Hatoum ia dar entrevista e autografar livros, pra conhecê-lo
um pouco. A história é bonita e fácil de se identificar em linhas
gerais, fala de gêmeos que moram em Manaus e conta a vida deles até os
últimos dias da maioria dos personagens; basicamente trata das richas
entre irmãos. Recomendo por ser boa literatura atual e ambientação
nacional.
Don't Sleep, There Are Snakes: Life and Language in the Amazonian
Jungle (Daniel Everett): foi um dos poucos livros de linguística (e
mesmo assim nem tanto) que li esse ano. O Everett é o mesmo cara que
citam quando vão falar dos índios pirahãs e os problemas linguísticos
deles que o prepotente do Chomsky ignora, no livro ele narra os quase
30 anos que viveu na Amazônia com eles e conta dia-a-dia, curiosidades,
cultura e conflitos que encontrou. O ponto alto do livro é quando ele
conta como deixou de ser missionário evangélico na selva pra ser ateu e
toda sua família o abandonou. Recomendo se gosta de cultura indígena e
linguística.
Doubt: A Parable (John Patrick Shanley): é "o livro que deu
origem ao filme" no jargão do SBT, e gostei pela simplicidade
extrema. Eu nunca vi a peça mas diz a lenda que a montagem feita no
Brasil não ficou boa, e pra ser sincero eu esperava mais do filme com o
Philip Seymour-Hoffman e Meryl Streep. A história gira em torno de
dúvidas bem humanas que temos, só isso, mas num ambiente de padres e
freiras com suspeitas entre eles, pega pra capar. O roteiro da peça é
mais misterioso que o filme, é impossível você tomar qualquer tipo de
partido. Recomendo por ser algo contemporâneo e curtinho, cinquenta
páginas.
The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde (Robert Louis
Stevenson): é uma história bem mamão-com-açúcar que de assustadora ou
emocionante eu não achei nada. Do Stevenson eu preferi The Bottle Imp
mesmo, apesar desse ser mais clássico e conhecido. Recomendo só se
estiver interessado em conhecer um clássico qualquer.
Laços de Família (Clarice Lispector): foi a única leitura da
Clarice Lispector que realmente gostei e mesmo assim foi enigmática
demais em alguns momentos. São contos geralmente curtos sobre o
cotidiano mas com uma tendência forte pra visões femininas, normal da
Lispector. Recomendo só se quiser ler algo da Lispector por curiosidade.
Formação Econômica do Brasil (Celso Furtado): é um livro que eu
sempre recomendo quando posso, pra conhecidos que gostam de leituras de
fundo socio-econômico. O Celso Furtado é um dos mestres pra ler no
curso de Economia da Danielle, e apesar de existir muita crítica
moderna a pesquisa que ele fez no livro o texto permanece excelente
apesar do tempo. Ele explora a formação econômica desde as capitanias
até antes do golpe militar, período do JK mais ou menos. Recomendo por
ser abrangente, sério e leitura fácil.
The Glass Menagerie (Tennessee Williams): é um roteirinho sem
muito sal que acabou virando filme preto-e-branco décadas atrás e que é
até interessante mas nada muito espetacular. A história é sobre
conflitos dentro de uma família problemática meio que durante o período
de recessão norte-americana; a mãe maluca, a filha retraída, o filho
rebelde e o pai ausente. Recomendo só se puder ver ofilme na versão com
o Sam "Jack Law & Order McCoy" Waterston.
Grande Sertão: Veredas (Guimarães Rosa): é daqueles livros que
todo mundo fala bem, a maioria não lê e você evita por falta de vontade,
mas que foi uma das maiores revelações pra mim em todos esses anos
alfabetizado. Fiz uma leitura mais lenta, crítica e estudando cada
trecho numa disciplina da UFPR, então admito ter tido mais facilidades
pra ler. Sertão de Goiás, partezinha da Bahia, Tocantins e afins. Muitas
mortes, conflitos internos e surpresas. Genialidade em como brinca com
palavras. Recomendo por hoje considerar uma das maiores obras em
português que existe.
Hamlet (William Shakespeare): eu acho que só rendeu bem porque
li uma engraçadíssima e bem feita tradução do Millôr Fernandes,
emprestada do Felipe. História de algo podre no reino da Dinamarca,
clássica. Lia enquanto esperava aulas na UFPR, nos corredores, então a
leitura - por causa da boa tradução - rende bem. Recomendo pela tradução
e pelo classicismo da história.
Histórias Para Ler Sem Pressa (Mamede Mustafa Jarouche): é o
tipo de leitura perfeita pra banheiro, parque ou enquanto se espera
alguma coisa num canto qualquer. São pequenas (e algumas médias)
histórias dos séculos IX ao XVIII, algumas não passando de meia página,
sobre vários assuntos com temática árabe pra não dizer muçulmana. São
todos textos árabes antigos e traduzidos muito bem pelo Jarouche. Minha
preferida é sobre como amedrontar embaixadores pra eles se converterem
ao islamismo. Adorei o livro mesmo. Recomendo por ter sido algo exótico
(pra mim) e um resgate de textos antigos.
The History Boys (Alan Bennett): é bom pra quem é culturamente
foda e percebe e entende referências em textos com facilidade. Não é o
meu caso, detesto pedantismo em livros. A história de um grupo de
garotos ingleses tentando entrar na faculdade e passando pela
adolescência tem tantas referências de arte, literatura, música e filme
que irrita. Irrita muito. A maioria delas são referências gays do autor,
o que é compreensível porém cansativo. Recomendo só se tiver tempo livre
e saco pro humor escrito britânico.
A Hora da Estrela (Clarice Lispector): é, junto talvez quem
sabe por que não de Laços de Família, algo minimamente interessante da
Lispector. Uma história fofinha sobre uma coitada que só se fode mas
sempre segue em frente. Leitura curta e rápida que li no começo do ano,
coisa pra se ler em fim de semana com tempo sem nada o que fazer.
Recomendo só se gostar da Lispector, não vi muito mérito na leitura
apesar de fofinha.
On The Road (Jack Kerouac): meio que foi febre entre amigos
meus, mas pra mim foi mesmo uma excelente leitura e experiência bem
temporária de porra-louquice. Quando vi a exposição do On The Road
nas férias de 2008 eu fiquei bem animado pra ler o livro, ver o
original e desenhos da viajem do Kerouac através dos EUA nos anos 50 me
deixou empolgado por um tempo. Recomendo por ser um marco cultural e de
literatura de viagens.
Otelo (William Shakespeare): é outro clássico eterno que todos
falam mas que não me animou tanto quanto eu pensei que faria. Me irritou
bastante o fato de confundirem "negro" com "mouro" em análises que li do
livro que fala de intrigas de palácio. A melhor adaptação que eu vi
é brasileira inclusive: Otelo da Mangueira, anote o nome. Recomendo ler
porque é Shakespeare e porque o Iago é um dos maiores vilões que já
criaram.
A Paixão Segundo G.H. (Clarice Lispector): é o vômito do bêbado
no fim da festa. Fãs da Lispector podem se revirar, mas o livro é
escrito o que as fotos dela são visualmente: frescura e pose. Tentei ao
máximo até estudar de forma séria o livro noutra disciplina da UFPR, mas
não dá. É horrível, sem propósito, nem mesmo uma experiênciazinha
estética minimamente interessante. Nada. É engraçado que todos se
lembram desse livro pela protagonista comer uma barata... grande coisa.
Recomendo só sob tortura.
Preconceito Linguístico: O Que é, Como Se Faz (Marcos Bagno):
apareceu como uma leitura atrasada. Eu deveria ter lido ele antes até
mesmo por estudar linguística, mas só deu esse ano. Não tem como
discordar muito do Bagno, ele sintetiza tudo que é preciso resolver a
respeito do assunto, muitas vezes até sem se estender muito. Recomendo
como uma leitura de curiosidade, pouco técnica mas relevante.
Primeiras Estórias (Guimarães Rosa): foi uma espécie de
preparação pra eu ler o GS:V, não li todas as histórias mas a maioria. A
edição que tenho foi meio que dada e tem desenhos que ilustram cada uma
das histórias, bem bonitos. Assuntos variados, não tem como resumir nada
direito. Recomendo se quiser ler algo antes de GS:V ou como complemento
posterior ao Guimarães Rosa.
Romeu e Julieta (William Shakespeare): foi junto com Titus
Andronicus e Otelo a leitura de uma disciplina sobre Shakespeare na UFPR
esse ano, mas não gostei das traduções bem intencionadas porém infiéis
da Barbara Heliodora. A história todo mundo conhece, então sugiro ler
estudando o que Shakespeare queria dizer em vários trechos, tem bastante
fatos sociais e culturais da época e quebra de tabus. Recomendo se não
tiver o preconceito que eu tive com o filme Romeo + Juliet, vale a
pena assistí-lo depois de ler porque a adaptação é muito boa mesmo.
A Streetcar Named Desire (Tennessee Williams): foi melhor que
The Glass Menagerie do próprio Tennessee Williams, mas não gostei tanto
assim também. A história é boa até, vida simples em New Orleans enquanto
o mundo vai mudando, alcoolismo, brigas em família e ilusões. A versão
em filme com o Marlon Brando é boa como falam, mas nem tanto assim
IMHO. Recomendo se gostar de frases de impacto clássicas pra citar pros
amigos.
A Megera Domada (William Shakespeare): me surpreendeu pelo
fator WTF. Talvez tenha sido pelo mesmo fato que o Felipe achou estranho
o livro, eu também ficava imaginando o Petruchio e a Catarina da novela
da Globo enquanto eu lia. A história é legal - como na novela -
bastante comédia e às vezes até um pouco ácida. Rola romance, birras e
tal. Recomendo pela tradução e tom de comédia bom de ler enquanto espera
pra fazer outra coisa.
The Zoo Story (Edward Albee): é uma peça bastante curta sobre a
impossibilidade de comunicação entre pessoas e situações limite com
choque entre universos pessoais. Não sei examente o que dizer dela além
disso e que é uma peça interessante do Teatro do Absurdo. Recomendo se
quiser ler algo de Teatro do Absurdo, não é o tipo de texto ou
atuação no teatro que me empolga.
Titus Andronicus (William Shakespeare): foi possivelmente a
minha maior empolgação com Shakespeare até hoje, pelo constraste dessa
história sanguinolenta e violenta em relação a outras dele e pelas
referências clássicas do texto que me levou a dar uma estudada leve em
como Titus Andronicus é uma atualização da Oréstia do Ésquilo pra
Inglaterra renascentista, como andei falando no Twitter. História de
vingança, justiça, assassinatos, "gore" total. Recomendo por ser algo
muito diferente do Shakespeare convencional e se já leu a Oréstia.
V de Vingança (Alan Moore): acabei só lendo no fim desse ano
depois de ter visto o filme e - oh, novidade! - achei a história em
quadrinhos realmente mais legal que o filme. Revi o filme logo em
seguida pra ter certeza e os diálogos dos HQs são melhores e tem mais
coisa na história, que no cinema acabou ficando ou curta demais ou sem
muitas costuras ou ambas as coisas. Futuro sombrio, distopia, terrorismo
do bem. Recomendo pra abrir a mente e relaxar com quadrinhos bem feitos.
Waiting for Godot (Samuel Beckett): é uma outra peça estranha,
como The Zoo Story foi. Se quiser lê-la eu recomendo fortemente procurar
algo sobre Teatro do Absurdo antes ou irá se frustrar por não entender o
propósito quase psicodélico da história. Pense numa situação entre
pessoas que entra em loop infinito. É um clássico do Beckett e precisei
me esforçar bastante pra ter interesse no livro. Recomendo pra poder
dizer que já leu algo do Teatro do Absurdo de verdade.
When You Are Engulfed In Flames (David Sedaris): foi o que fez
eu passar a gostar do Sedaris de verdade. Eu já havia lido online
textos dele e coisas enviadas por colegas que já o conheciam, mas
When You Are Engulfed In Flames (além de ter uma capa massa) é excelente
como texto de cotidiano e vida medíocre, pra não dizer banal também. São
diversas histórias: curtas, médias e longas sobre tudo quanto é assunto
do dia-a-dia do cara. Recomendo por ser uma leitura em inglês fácil e
divertida.
Wit: A Play (Margaret Edson): é de uma suavidade porém tão
forte que não sei descrever; é "wit" no sentido mais puro da palavra
e tem que ler pra entender. Resumindo, uma acadêmica das mais
conceituadas e nerd assumida tem duas horas de vida em um hospital e a
gente vai vendo ela definhando enquanto sua mente vai desaparecendo.
Parte da graça da história vem da protagonista conversar com o leitor.
História bastante triste, bonita e bem humanizadora. Se puder, veja o
filme com a Emma Thompson... é de chorar, juro. Recomendo por mostrar
condições humanas quase universais.